“(...)Constituição de 1988 decidiu que o princípio
democrático deveria permear todas as relações públicas travadas entre os indivíduos.”
“ (...)Entretanto, transcorridos mais de duas décadas após
da sua promulgação, o que se vê é que ocorre um intenso movimento contrário às
expectativas do Constituinte originário(...)”
“Para os nossos governantes, para
que o nosso Povo seja bom, é necessário que ele seja muito silencioso e que, se
possível, seja também invisível.”
“(...)farsa que encobre a
realidade, nosso sistema político não enxerga mais o Povo brasileiro.”
O fim da democracia brasileira?
André Emmanuel Batista Barreto
Campello
A Constituição Federal de 1988
pretendeu não apenas regulamentar a estrutura do Estado brasileiro (art. 18,
CF), nem buscou somente apresentar direitos e garantias individuais mínimos
para os sujeitos de direito (arts. 5º e 6º, CF), a Charta que emergiu de um
período de turbulências político-econômicas almejou, de fato, servir de
instrumento para a transformação da nossa sociedade.
Tal transformação se daria não
por meio da intervenção estatal na economia (art. 173, CF), como tinha ocorrido
anteriormente, mas por meio de assegurar em todos os espaços da vida pública
uma práxis que havia sido sufocado desde o AI-5 e que se apresentaria como um
dos valores estruturais do Estado criado pela Charta de 1988: a democracia.
Uma leitura atenta da nossa
constituição nos revela que esta Constituição pretendeu impregnar a nossa
sociedade de democracia, em todos os espaços públicos.
Por espaços públicos entendam-se
os locais em que o indivíduo atua como cidadão (art. 17, CF), consumidor (arts.
170 e 175, parágrafo único, II, CF), trabalhador (arts. 8º, 10 e 11, CF),
administrado (art. 194, VII, CF), empresário (art. 173, §1º, IV, CF) etc.
Ou seja, a Constituição de 1988
decidiu que o princípio democrático deveria permear todas as relações públicas
travadas entre os indivíduos. Pretendeu transformar em Ágora, na praça de
debates de Atenas (a pólis grega), todos os espaços em que pudesse existir
possibilidade de debates, de exposição de idéias políticas, de perspectivas
sobre a realidade etc.
Esta impregnação de democracia
nos espaços públicos deveria existir, sobretudo, para possibilitar que a
liberdade de expressão fosse utilizada, inclusive, para o controle daqueles que
estivessem no exercício de poderes (art. 220 e §§ 1º e 2º, CF), seria um
instrumento para coibir abusos praticados por qualquer indivíduo que estivesse
na gestão da res publica.
Poderia-se afirmar que a
liberdade de expressão incluiria a liberdade de denunciar tais abusos a fim de
poder controlar os detentores dos poderes constituídos.
Esta dimensão da liberdade de
expressão fica bem clara nas palavras do Ministro Celso de Mello:
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases
democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda
mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo
interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de
uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º,
IV, c/c o art. 220). Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa,
enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação,
reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas
relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de
buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. (AI 505.595, Rel. Min. Celso de Mello,
decisão monocrática, julgamento em 11-11-2009, DJE de 23-11-2009.)
A Constituição de 1988 pretendeu
criar não apenas uma democracia formal, em que o indivíduo teria apenas o
poder-dever de votar em seus representantes (art. 14, §1º, I, CF), em verdade,
buscou construir uma sociedade em que a participação popular fosse um valor, já
que nos espaços públicos seria possível a manifestação do pensamento.
Esta era a democracia idealizada
pela Charta de 1988.
Entretanto, transcorridos mais de
duas décadas após da sua promulgação, o que se vê é que ocorre um intenso
movimento contrário às expectativas do Constituinte originário está em curso.
O poder público não criou espaços
em que as opiniões possam ser proferidas, em suma, as decisões políticas
tomadas pelos governantes são baseados em seus compromissos políticos,
quaisquer que sejam eles.
Mesmo que existam espaços
públicos, as manifestações proferidas nestes ambientes não são relevantes para
a construção das decisões políticas já que os gestores da coisa pública
utilizam tais espaços apenas para, por meio deste procedimento, legitimar uma
tomada de decisão previamente construída.
Ou seja, em outras palavras, para
que servem as audiências públicas (art. 32 da Lei nº 9.784/99) se a construção
das opções decisórias já foram pré-estabelecidas e, muitas vezes, as decisões
já estão tomadas?
Portanto, os representantes
populares estão cada mais vez se distanciando da fonte de todo poder: o Povo
(art. 1º, parágrafo único, CF).
Este fenômeno também gera nas
Instituições republicanas uma estranha miopia, que as impede de ver com nitidez
os interesses dos diversos grupos sociais e as necessidades mais prementes da
nossa sociedade.
Esta moléstia que atinge as
Instituições, ao mesmo tempo em que as leva a não observar as necessidades do
Povo, também faz nascer nelas uma falsa impressão de o papel da população é
irrelevante: como os detentores dos poderes constituídos não enxergam o Povo,
eles começam acreditar que ele não existe, ou, se existe, apenas está aí para
elegê-los.
Portanto, os detentores dos
poderes constituídos na nossa democracia além de não enxergarem o Povo, devido
a sua miopia, também não desejam que haja diálogo entre os
"populares" para que não exista ruído, para que não exista efetivo
controle pelos cidadãos (art. 5º, LXXIII, CF).
Um sintoma disto é que as
assembléias de sindicatos, de associações e de cooperativas perderam espaço
para mobilizações construídas em redes sociais, como o Facebook. As opiniões
transmitidas por meio de blogs ganham importância porque, na ausência de real
espaço público-político, a Internet permite um verdadeiro debate de opiniões e
liberdade de expressão. Nestes ambientes, sente-se que se é escutado e que,
portanto, vale à pena se manifestar.
Atenta a este fato a Justiça
Eleitoral até já buscou cercear a manifestação política eleitoral na Internet
(art. 20 da Instrução nº 131, Res. nº 23.191, do TSE). Parece que o que importa
é calar o Povo em qualquer local em que sua voz possa ser realmente ouvida.
Para os nossos governantes, para
que o nosso Povo seja bom, é necessário que ele seja muito silencioso e que, se
possível, seja também invisível.
Esta necessidade de silenciar a
população, a nosso sentir, fica bem evidente na absoluta ineficácia e perda de
sentido, por exemplo, em coisas simples, como a construção do orçamento
municipal, pondo um fim a qualquer possibilidade de instituição de gestão
participativa, apesar de existir dispositivos legais sobre o tema (art. 48, parágrafo
único e art. 48-A, da Lei de Responsabilidade Fiscal).
A nosso sentir, o ato da Justiça
Eleitoral de coibir a vedação de manifestação política coletiva no dia das
eleições (art. 49, §1º, da Instrução nº 131, Res. nº 23.191, do TSE) é um
sintoma que nada mais revela que a "festa da democracia" se
transformou em um velório, expondo o que já está claro: a nossa democracia
chegou ao fim.
O que se vê aí é apenas uma forma
sem essência, um simulacro, uma grande farsa que encobre a realidade, nosso
sistema político não enxerga mais o Povo brasileiro.
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