“A Sentença indeferiu o pedido de indenização por danos morais, danos
morais e pensão mensal vitalícia, ao fundamento de que a responsabilidade por
eventuais danos físicos ou psíquicos decorrentes diretamente do assalto não
pode ser atribuída à reclamada, pois não decorreu de ato culposo ou doloso da
reclamada, bem como o fato ocorreu em via pública.”
“(...)resta evidente a culpa da reclamada por ato omissivo
consubstanciado em fornecer condições adequadas de trabalho com a adoção de
medidas de segurança, inclusive com a contratação de segurança particular.”
“Conclui-se, assim, que a deficiência na segurança pública não isenta a
reclamada da responsabilidade civil, podendo atrair, inclusive, a solidariedade do Estado do Rio Grande do
Sul.”
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Assalto: acidente de
trabalho e dano moral
EMENTA: DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO. ASSALTO. CASO
FORTUITO. FORÇA MAIOR. FATO DE TERCEIRO. Não se pode dizer que o assalto no
qual o reclamante foi vitimado é caso fortuito, até mesmo em razão das
reiteradas investidas dos assaltantes. Força maior também não, porquanto não se
trata de nenhum fenômeno da natureza. Tal evento também não pode ser
classificado como fato de terceiro, porquanto não se pode abstrair que a
investida dos delinqüentes tenha como objetivo principal o patrimônio da
reclamada, sob o qual o reclamante têm dever de guarda Recurso do reclamante
parcialmente provido.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO
interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara do Trabalho de
Canoas, Ricardo Hahn, sendo recorrente ANTÔNIO HILDEMAR HECK e recorrida ALL
AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA INTERMODAL S.A.
Inconformado com a decisão proferida às folhas 202/206, que
julgou procedente em parte a ação, recorre o reclamante (fls. 218/224).
Pretende a reforma da Sentença que negou o pedido de condenação da reclamada ao
pagamento de indenização por danos morais e pensão mensal.
Com contrarrazões às 232/238, vêm os autos para julgamento.
É o relatório.
ISTO POSTO:
ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS MORAIS MATERIAL (PENSÃO MENSAL).
A Sentença indeferiu o pedido de indenização por danos
morais, danos morais e pensão mensal vitalícia, ao fundamento de que a
responsabilidade por eventuais danos físicos ou psíquicos decorrentes
diretamente do assalto não pode ser atribuída à reclamada, pois não decorreu de
ato culposo ou doloso da reclamada, bem como o fato ocorreu em via pública.
Disse, ainda, o Julgador de origem que "não se pode pretender
responsabilizar o empregador em razão de assaltos que se constituem em atos de
terceiros alheios à relação de emprego, mesmo que esses tenham vitimado o
empregado no desempenho das suas atividades, na medida em que não concorreu a
reclamada, de nenhuma forma, para o advento dos assaltos noticiados. Assim, não
há como responsabilizar, a reclamada, pelos danos físicos que tenha sofrido o
reclamante decorrente das ações criminosas perpetradas por assaltantes voltadas
contra o caminhão e seu carregamento. Entendo que cabe ao Estado e não a
particulares zelar pela segurança pública. Logo, não há como lhe imputar
qualquer encargo que decorra de eventual dano sofrido." (folhas 202/206).
Contra a decisão se rebela o reclamante. Aduz, em síntese,
que a responsabilidade da reclamada tem origem na natureza de suas atividades.
Cita o artigo 927 do Código Civil. Diz que cabe as empresas cumprir e fazer
cumprir as normas de segurança do trabalho, conforme artigo 157 da CLT. Aduz
que o empregador é que sofre os riscos do negócio. Finaliza afirmando que
embora o reclamante laborasse em área de risco, não recebeu proteção para o
desenvolvimento de suas atividades. Transcreve jurisprudência. Requer o
pagamento de uma indenização correspondente a 200 vezes a sua remuneração
corrigida, além do pensionamento vitalício fixado em 100% de sua remuneração.
Examina-se.
O reclamante diz que no exercício de suas atividades, em
12/06/2002, quando dirigia um caminhão da frota da reclamada, foi abordado por
assaltantes que visavam o roubo da carga do caminhão da reclamada. Aduz que um
dos criminosos torceu o braço, em razão disso foi emitida a CAT pela empresa.
Afirma que após o acidente, entrou em benefício acidentário pelo INSS, tendo
ficado afastado da reclamada até meados de outubro de 2007. Refere que sua
incapacidade decorre diretamente do assalto ocorrido, restando incontroversa a
origem de suas lesões, bem como as seqüelas do acidente (folha 03 do Processo
N. 00171-2009-202-04-00-2, apensado).
Conforme conclusão do laudo médico à folha 137, item 8, o
reclamante ficou com seqüela de luxação em ombro direito, com perda de 50% da
sua mobilidade em um acidente que tem origem no seio da relação de emprego
mantida com o reclamado. Assevera que há relação do nexo técnico entre o quadro
clínico atual do reclamante e do acidente de trabalho sofrido. Afirma que o
índice de perda, de conformidade com a tabela de DPVAT é de 12,4% e que é
considerado apto ao trabalho, com restrição de uso do membro superior direito.
Outrossim, restou demonstrado que as agressões físicas sofridas pelo reclamante
foram causadas por assaltantes, conforme os termos da inicial e documentos
juntados, como a CAT e boletim de ocorrência.
É incontroverso que o fato caracteriza-se como acidente do
trabalho, nos termos do artigo 19 da Lei 8.213/91: "Acidente do trabalho é
o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício
do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda
ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. § 1º A
empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de
proteção e segurança da saúde do trabalhador. § 2º Constitui contravenção
penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e
higiene do trabalho. § 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas
sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular. § 4º O
Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e
entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto
nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento" (grifou-se).
As condições de trabalho do reclamante violam diretamente a
alínea "c" do artigo 483 da CLT, caracterizando o fato como ato
ilícito à luz do direito do trabalho: "O empregado poderá considerar
rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização quando: (...)
c) correr perigo manifesto de mal considerável". Nos termos do artigo 159
do CCB/1916, "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano" (grifou-se).
Em relação às excludentes, o acidente sofrido pelo reclamante
não pode ser considerado caso fortuito, até mesmo porque tais assaltos são de
conhecimento público, até mesmo em razão de reiteradas reportagens
jornalísticas, havendo evidente previsibilidade. Força maior também não é,
porquanto não se trata de nenhum fenômeno da natureza. Tal evento também não
pode ser classificado como fato de terceiro, porquanto não se pode abstrair que
a investida dos delinqüentes tenha como objetivo principal o patrimônio da
reclamada, além dos pertences pessoais dos passageiros (ao abrigo do contrato
de transporte), sob o qual o reclamante e o cobrador têm dever de guarda. É
importante lembrar que o empregado, nestes casos, é o primeiro representante da
empresa, que deve colaborar para o efetivo cumprimento do contrato de
transporte. Nesse aspecto, destaca-se a Súmula nº 187 do STF, segundo a qual:
"A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com
passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação
regressiva".
Conclui-se, assim, que a deficiência na segurança pública não
isenta a reclamada da responsabilidade civil, podendo atrair, inclusive, a
solidariedade do Estado do Rio Grande do Sul.
Ademais, o artigo 1.521 do Código Civil de 1916 trata da
responsabilidade civil por danos causados por prepostos: "(...) são também
responsáveis pela reparação civil: (...) III - o patrão, amo ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou por ocasião dele (art. 1.522)". Não há porque duvidar que
esta hipótese de incidência seja aplicável também em favor dos trabalhadores,
pela simples exegese do caput do artigo 5º da Constituição Federal, c/c artigo
483 da CLT, no qual o empregado pode ser ofendido pelo empregador ou seu
preposto. Não bastasse, o caput do artigo 2º da CLT estabelece que:
"Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal
de serviços" (grifou-se).
As lesões físicas e psicológicas sofridas pelo reclamante
ocorreram enquanto prestava serviços para a reclamada e, pelo já analisado,
resta presente o nexo causal.
Ademais, por outro lado, entende-se que a atividade
desenvolvida pela reclamada por sua natureza deve ser enquadrada no rol de
atividades de risco, pelo grau de probabilidade de provocar dano a outrem,
atraindo, na hipótese de dano, a responsabilidade objetiva, sendo, portanto,
devida a indenização independente de culpa, com fulcro no artigo 927, parágrafo
único, do Código Civil: "Haverá obrigação de indenizar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, riscos para os direitos de outrem.". A indenização não decorre
da ação ou omissão para gerar o direito, porque ele advém tão-somente do
exercício da atividade de risco. No caso do Direito do Trabalho deve ser observado,
em especial, a teoria do risco profissional que decorre da atividade
desenvolvida pela vítima.
Assim, considerando-se a lesão sofrida pelo autor, de caráter
permanente e irreversível, do contexto em que ela ocorreu (ataque ao patrimônio
da reclamada), no desenvolvimento regular do contrato de trabalho na condição
de motorista, em fato já verificado em situações anteriores (reiterados
assaltos noticiados pela reclamada), resta evidente a culpa da reclamada por
ato omissivo consubstanciado em fornecer condições adequadas de trabalho com a
adoção de medidas de segurança, inclusive com a contratação de segurança
particular.
Em relação ao arbitramento do valor da indenização, temos que
o autor não pode mais trabalhar como motorista profissional, que sua CNH foi
reduzida de "D" para ‘B", que a perda da capacidade do autor,
pela tabela DPVAT é de 12,5% e de caráter permanente e irreversível. Assim,
fixa-se o valor da indenização em R$ 30.000,00.
No tocante a pensão mensal, de acordo com o laudo à folha 84
e 139, item 11, o autor não se encontra incapacitado para qualquer atividade
laboral, que está reabilitado pela Previdência Social. (folhas 84 e 139, item
11. Assim não se acolhe o pedido de pagamento de pensão mensal.
Por fim, determina-se o reajustamento a partir da data da
decisão pelos índices oficiais, no nosso caso, o FADT.
Pelo exposto, condena-se a reclamada ao pagamento de
indenização por dano moral no valor de R$ 30.000,00.
Dá-se provimento parcial.
2. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.
O reclamante apresenta declaração de insuficiência econômica
na fl. 09, fazendo jus aos honorários assistenciais nos termos da Lei 1.060/50,
independentemente da apresentação de credencial sindical. A Turma, por maioria,
entende que as restrições impostas pela Lei nº 5.584/70 encontram óbice no art.
133 da Constituição Federal, que reconhece em nível constitucional a
imprescindibilidade do advogado, bem como nos artigos 5º, XIII, que veda, por
atentatório à liberdade de atuação profissional a criação de "reservas de
mercado" aos advogados ligados aos sindicatos, e do art. 5º, LV, já que
está contido no direito à ampla defesa a possibilidade de escolha pelo
litigante de advogado de sua confiança. Ressalvado o entendimento do
Desembargador João Ghisleni Filho e da Desembargadora Flávia Lorena Pacheco que
entendem aplicável, ao presente caso, as Súmulas 219 e 329 do TST.
Dá-se provimento ao recurso para incluir na condenação os
honorários assistenciais à razão de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento parcial ao
recurso ordinário do reclamante para condenar a reclamada no pagamento de
indenização por danos morais em R$ 30.000,00, bem como determinar o pagamento
dos honorários assistenciais à razão de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Valor da condenação acrescido em R$ 30.000,00 e custas em R$
600,00, para os fins legais
Intimem-se.
Porto Alegre, 1º de fevereiro de 2011 (terça-feira).
LUIZ ALBERTO DE VARGAS
Relator
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