E, para a surpresa de ninguém, foi aprovado pelo Senado o projeto de lei enviado pelo Executivo que reserva 20% das vagas em concursos públicos para negros e mestiços — ou “afrodescendentes”, como se diz na linguagem politicamente conveniente, que é, como sabemos, incorreta politicamente porque se trata de matéria de militância, não de matéria de fato. A propósito: um “mestiço”, chamado “pardo” pelo IBGE, não é também eurodescendente?
A reserva vale para concurso com mais de três vagas, só para os processos de seleção criados depois da aprovação da lei, que segue para a sanção certa de Dilma. A regra passa a valer para todos os concursos da administração pública federal, direta e indireta, estatais, fundações, autarquias e empresas de economia mista, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
Como a esquizofrenia legal é a regra por aqui, se ficar constatado que o candidato fraudou a sua autodeclaração, ele poderá ser eliminado do concurso ou mesmo perder o cargo se já tiver sido nomeado. Muito bem! Mas como fazer isso sem definir, afinal de contas, o que é um afrodescendente?
Ora, por uma série de fatores genéticos, alguém de pele branca e cabelo claro pode, sim, ser um “afrodescendente”. Caso se desconfie de que está mentindo, qual será o caminho? Obrigá-lo a provar a sua ascendência, como se fazia na Alemanha nazista? Se o IBGE se contenta com a autodeclaração, e o agente do instituto é obrigado a aceitar o que diz o entrevistado, por que seria diferente num concurso?
É claro que a lei, acho eu, viola o fundamento da igualdade perante a lei, expresso na Constituição, a exemplo de qualquer política de cota racial. Mas essa questão, infelizmente, já está superada — o Supremo disse que é constitucional. Respeito a decisão, mas discordo.
Vá lá que, no caso das cotas raciais nas universidades, ainda se possa dizer que se criam condições desiguais de acesso para corrigir distorções, de sorte que, oferecendo igual instrução, se possam igualar as competências. É um jeito torto de fazê-lo, mas tem lá seu lado defensável, embora frágil.
No caso do serviço público, aí a coisa beira o ridículo. Trata-se de contratar uma mão de obra profissional. Qualquer procedimento que não seja a seleção do mais capaz, tenha lá que cor de pele for, se estará malversando dinheiro público — de brancos e de pretos, de ricos e de pobres, de homens e de mulheres.
Se há a desculpa de que a universidade iguala as competências porque é uma fase de aprendizado, note-se que um servidor oferece ao Estado aquilo que já sabe, a competência que já tem. Preterir o mais competente por causa da cor da pele é uma agresaõ ao bem público. Mas quem vai ter a coragem de dizer “não”?
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