O STF estará
se tornando o palco de um grande teatro, onde seus atores já sabem as suas
falas?
E toda essa encenação teria a finalidade levar “A novela do mensalão,” (...) “a se desenrolar por muitos anos mais,
porque ela tende a chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.” ?
É esperar
para ver...
Mensalão: sério risco de anulação
Luiz Flávio Gomes
O julgamento do mensalão começou com duas pedras (jurídicas) no
seu caminho: impedimento ou suspeição do ministro Dias Toffoli e separação do
julgamento.
No plano estritamente jurídico e longe de qualquer
"partidarização" do assunto, restam, ainda, dois outros grandes
questionamentos técnicos: o ministro relator- no caso, Joaquim Barbosa -,
depois de presidir a fase de investigação, por força do regimento interno do
STF, pode ser ao mesmo tempo investigador dos fatos e juiz do processo?
O recebimento da denúncia, por ele, foi uma mera decisão formal ou
um veredito "de fundo" (de mérito)? Que diz a jurisprudência da Corte
Interamericana sobre tudo isso?
Quanto à suspeição de Dias Toffoli, o principal interessado nessa
alegação seria o Procurador-Geral da República, que nada requereu. Logo, o tema
ficou reservado à esfera íntima (ética) do próprio ministro.
No que diz respeito à separação do julgamento, pela primeira vez
de forma exaustiva o STF enfrentou a questão do julgamento conjunto de pessoas
que gozam do antirrepublicano privilégio burguês do foro especial com outros
sem esse direito.
O pano de fundo da separação ou não do processo diz respeito, como
levantou o ex-ministro Thomaz Bastos, ao direito de todos os réus (pelo menos
dos que não têm foro especial) ao duplo grau de jurisdição, que é o direito a
um duplo julgamento fático e jurídico, por juízes distintos, em caso de condenação
criminal. Trata-se de direito expressamente previsto na Convenção Americana de
Direitos Humanos.
Por nove votos a dois, a tese foi corretamente refutada. Quem bem
enfocou a questão foi o ministro Celso de Mello, que se valeu da jurisprudência
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que excepciona o direito ao duplo
grau no caso de competência originária da corte máxima do país. Em eventual
reclamação para a citada corte, portanto, a chance de sucesso da defesa, neste
ponto, é praticamente nula.
A mesma coisa não se pode dizer em relação à garantia do
julgamento por juiz imparcial.
Atraso cultural, autoritarismo tradicional, democracia incipiente
e desrespeito ao direito e à jurisprudência internacionais explicariam a regra
do regimento interno do STF (art. 230) que determina ser relator do processo o
mesmo ministro que investiga o crime na fase preliminar.
Todos os atos investigatórios ou cautelares, posteriores ao
recebimento do inquérito -como requerimento de prisão, busca e apreensão,
quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal e telemático, interceptação
telefônica, além de outras medidas invasivas - são processados e apreciados, em
autos apartados, pelo relator. Sob sigilo, sublinhe-se.
É evidente que esse vínculo psicológico do relator com as diligências
investigativas o aproxima da posição do inquisidor, afetando profundamente o
que existe de mais sagrado na figura do juiz, a imparcialidade.
Barbosa conduziu toda essa fase preliminar e foi se envolvendo
paulatina e psicologicamente com ela, o que seguramente explica o seu enfático
e midiático voto pelo recebimento da denúncia. Nessa altura dos acontecimentos,
certamente não vai se afastar do processo, mesmo porque, se for coerente com
tudo que ele já escreveu e falou publicamente, será o mais implacável algoz de
todos ou de muitos dos réus.
O grave
problema técnico e jurídico do autoritário regimento é que quem investiga o
crime não pode ao mesmo tempo ser juiz do processo.
Quem diz
isso? A jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, especialmente no caso Las Palmeras contra Colômbia.
Viola a garantia do juiz imparcial o magistrado que cumpre o duplo
papel de "parte" (investigador) e de juiz. Com base nesse argumento, a chance de uma eventual anulação de toda
condenação é muito grande.
A despótica determinação regimental, secundada pela jurisprudência
do próprio STF, está ultrapassada e contraria
frontalmente o direito internacional, ainda muito negligenciado pela
vivência jurídica nacional.
De outro lado, há defensor afirmando que Barbosa, no momento em
que recebeu a denúncia (contra todos os 38 réus), precisamente em razão da sua
vinculação psicológica com a fase inquisitorial, não proferira uma decisão
puramente formal, como deveria. Acabou
praticamente julgando o mérito do caso. E quem assim procede não pode, depois, ser juiz do processo (caso
Herrera Ulloa contra Costa Rica, Corte Interamericana de Direitos Humanos).
A novela do mensalão, como se vê, ainda vai se desenrolar por
muitos anos mais, porque ela tende a chegar à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos.
Fonte:
Nota: grifos da editora
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