Retirado do Consultor jurídico:
*Por AMÍLCAR
BRUNAZO FILHO
Tradicionalmente a Ordem dos Advogados do Brasil, assim
como a ABI, assumem posições corajosas em defesa de ideais e princípios
sociais. Como membro do Comitê Multidisciplinar Independente (CMind) e
moderador do Fórum do Voto Seguro, venho manifestar minhas congratulações ao
Conselho Federal da OAB e à sua Comissão de Informática pela recente decisão de
não legitimar os programas de computador do sistema eleitoral desenvolvido pelo
TSE.
Como poucos vão entender a importância e a coragem dessa
nova postura da OAB, cabe aqui apresentar um breve histórico.
Em 2002, foi aprovada a Lei 10.408/2002, que previa a
adoção do Princípio da Independência do Software em Sistemas Eleitorais
a partir de 2004. Esse princípio determina que auditoria do resultado eleitoral
possa ser feita de uma forma que não dependa de confiar no software instalado
nas máquinas de votar.
Em 2003,
a autoridade eleitoral absoluta brasileira, comumente
chamada de Justiça Eleitoral, laborou para derrubar essa lei antes mesmo que
vigorasse, e conseguiu aprovar a Lei 10.740/2003, que restabelecia a situação
anterior, em que a auditoria do resultado eleitoral era substituída por um
método totalmente dependente da confiabilidade do software. E, para tentar
estabelecer a confiabilidade do software eleitoral, essa lei de 2003 concedeu
aos partidos políticos, ao Ministério Público e à OAB a função de validar e
assinar digitalmente os programas desenvolvidos pelo TSE.
Em 2004,
a atuação destas entidades foi a seguinte:
1) o PT, PDT e OAB enviaram representantes para avaliar o
software, e chegaram a desenvolver programa próprio de assinatura digital;
2) o MP assumiu uma posição estritamente formal. Não fez
nenhuma avaliação do software eleitoral, mas decidiu assiná-los mesmo assim,
usando um programa derivado do programa do PDT.
Esta experiência revelou enormes custos e dificuldades
que, na prática, tornavam impossível a validação do software por essas
entidades.
Assim, a partir de 2006, o PDT continuou enviando
representante para analisar os programas, mas deixou de assinar digitalmente
porque não podia assegurar a confiabilidade do sistema analisado.
A OAB assumiu a mesma postura formal do MP em 2006 e 2008,
isto é, não fazia nenhuma avaliação técnica do software eleitoral, mas
emprestava seu prestígio à autoridade eleitoral ao participar da cerimônia
oficial final de assinatura dos arquivos.
Em abril de 2010, o CMind entregou o seu relatório ao
presidente da OAB, Ophir Calvacante Júnior, em que denunciava os riscos à
sociedade nessa postura de legitimar o software eleitoral sem de fato, tê-lo
avaliado. Ophir Cavalcante disse então que pediria parecer à comissão de
Direito Eleitoral e Informática da entidade, e tornou sua posição pública:
“Se o parecer disser que a Ordem não deve legitimar, não
vamos legitimar [o atual modelo de votação eletrônica]”, ressaltou, antes de
reconhecer que “hoje, a OAB faz de conta [que fiscaliza as eleições]”.
http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2010/04/15/Brasil/OAB_diz_que_sistema_de_votacao_el.shtml
A promessa foi cumprida. A comissão de informática da OAB
enviou o Sr. Rodrigo Anjos, especialista em Tecnologia da Informação, como seu
representante devidamente credenciado ao Tribunal Superior Eleitoral. Ao
constatar que o conjunto do software eleitoral era composto por dezenas de
milhares de arquivos com mais de 16 milhões de linhas de códigos-fonte, foi
confirmado que não havia condições práticas de validar o software do TSE e decidiu-se
que a OAB não iria assinar cada programa para que não se passasse a imagem de
legitimadora do processo.
Houve, no entanto, um mal-entendido no desenrolar. O TSE
marcou inicialmente a cerimônia de assinatura e lacração dos sistemas para o
dia 2 de setembro, e seu presidente convidou o presidente da OAB para a
cerimônia. Como a OAB não iria assinar os programas, foi enviado o advogado
Francisco Caputo Neto, presidente da OAB do Distrito Federal, para assistir a
cerimônia.
Mas, naquele momento, o Sr. Caputo foi convidado a assinar
"o pacote dos programas" (e não cada programa individualmente), e
assinou-os sem saber ou sem considerar que tal assinatura era meramente formal,
e não capacitaria os representantes da OAB a poder verificar as assinaturas dos
sistemas instalados.
Desde então, no site do TSE consta com destaque a notícia
de que a OAB, junto com o MP, teria dado legitimidade os programas.
http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/noticiaSearch.do?acao=get&id=1327485
Mas havia erros no software assinado no dia 2 de setembro,
e nova cerimônia de compilação, assinatura e lacração teve que ser realizada
nos dias 13 e 14 de setembro no TSE. Os erros encontrados eram primários
(buffer overflow), e confirmam a imaturidade do processo de desenvolvimento do software
do TSE, que já fora denunciada no Relatório COPPE-UFRJ (de 2002) e no relatório
CMind (de 2010). Mostra ainda que quem assinou no dia 2 (MP, PT e o Sr. Caputo
Neto) não tinha feito uma avaliação eficiente.
Finalmente, na cerimônia do dia 14 de setembro, a OAB
cumpriu a determinação de sua comissão de informática e não enviou nenhum
representante para assinar e legitimar o software desenvolvido pelo TSE.
Consideramos bastante corajosa a decisão do presidente da
OAB e merecedor de nosso elogio.
A assessoria de imprensa da autoridade eleitoral
brasileira, que, por seu absolutismo, tem muita dificuldade em reconhecer suas
mazelas, escondeu da imprensa a cerimônia do dia 14 para que não tivesse que
admitir que havia erros nos programas, detectados à undécima hora. Escondeu
também que a OAB finalmente deixou de legitimar seu método de desenvolvimento
de software. Continua em destaque no site do TSE a notícia da lacração do dia
2, com a presença do representante da OAB.
A lamentar, temos a posição do MP de continuar assinando
os sistemas do TSE sem nunca ter feito nenhum esforço técnico de avaliação do
sistema, permitindo que se passe para a sociedade que esta instituição legitima
um sistema eletrônico que, na realidade, nunca avaliou.
Como engenheiro que sou, lamento também que a minha
associação de classe, o sistema CREA-CONFEA, não tenha ainda se capacitado para
avaliar o sistema eleitoral eletrônico brasileiro e apresentar seu parecer à
sociedade brasileira.
Mais uma vez, parabéns à OAB por sua atitude responsável
de não omissão perante a sociedade.
*AMÍLCAR BRUNAZO FILHO é engenheiro e moderador do Fórum
do Voto Eletrônico
Leia também:
A impossibilidade de auditoria
independente do resultado levou à rejeição de nossas urnas eletrônicas em todos os
mais de 50 países que a estudaram.
Veja o relatório em:
Relatório CMind completo - 105 páginas
Sumário Executivo -
resumo em 2 páginas
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