“O Decreto 8.243 é, possivelmente, o passo mais ousado já tomado
pelo PT na consecução do “socialismo democrático” – aquele sistema no qual você
está autorizado a expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o
marxismo. Sua real intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando
as instituições já existentes como também criando um meio de “acesso
facilitado” de movimentos sociais à política.”
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Partidos tentam barrar decreto bolivariano de
Dilma
Nove bancadas assinaram proposta na Câmara para tentar suspender
os efeitos do decreto presidencial que pode mudar a ordem constitucional
O decreto bolivariano número 8.243/2014, assinado à surdina pela
presidente Dilma Rousseff na semana passada, não caiu bem no Congresso
Nacional. Nesta terça-feira, nove partidos resolveram se unir para tentar
impedir o avanço da medida destinada a aparelhar órgãos públicos e entidades da
administração federal direta e indireta com integrantes de “movimentos
sociais”, conhecida massa de manobra do PT.
O Decreto 8.243/2014
Chamado
por um editorial do
Estadão de “um conjunto de barbaridades jurídicas” e por Reinaldo Azevedo de “a instalação
da ditadura petista por decreto”, o Decreto 8.243 foi editado pela
Presidência da república em 23/05/14, tendo sido publicado no Diário Oficial no
dia 26 e entrado em vigor na mesma data.
Entender
qual o real significado do Decreto exige ler pacientemente todo o seu texto,
tarefa relativamente ingrata. Como todo bom decreto governamental, trata-se de
um emaranhado de regras cuja formulação chega a ser medonha de tão vaga, sendo
complicado interpretá-lo sistematicamente e de uma forma coerente. Tentarei,
aqui, fazê-lo da forma mais didática possível, sempre considerando que grande
parte do público leitor dessa página não é especialista na área jurídica (a
propósito: que sorte a de vocês.).
Iniciemos do início, pois. Como o nome diz, trata-se de um
“decreto”. “Decreto”, no mundo jurídico, é o nome que se dá a uma ordem emanada
de uma autoridade – geralmente do Poder Executivo – que tem por objetivo dar
detalhes a respeito do cumprimento de uma lei. Um decreto se limita a isso –
detalhar uma lei já existente, ou, em latinório jurídico, ser “secundum
legem”. Ao elaborá-lo, a autoridade não pode ir contra uma lei (“contra
legem”) ou criar uma lei nova (“præter legem”). Se isso ocorrer, o
Poder Executivo estará legislando por conta própria, o que é o exato conceito
de “ditadura”. Ou seja: um decreto emitido em contrariedade a uma lei já
existente deve ser considerado um ato ditatorial.
É exatamente esse o caso do Decreto 8.243. Logo no início, vemos
que ele teria sido emitido com base no “art. 84, caput, incisos
IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art.
3º, caput, inciso I, e no art. 17 da Lei nº 10.683”.
Traduzindo para o português, tratam-se de alguns artigos relacionados à
organização da administração pública, dentre os quais o mais importante é o
art. 84, VI da Constituição – o qual estabelece que o Presidente pode emitir
decretos sobre a “organização e funcionamento da administração federal,
quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou
extinção de órgãos públicos”.
Guarde essa última frase. Como veremos adiante, o que o Decreto
8.243 faz, na prática, é integrar à Administração Pública vários órgãos novos –
às vezes implícita, às vezes explicitamente –, algo que é constitucionalmente
vedado ao Presidente da República. Portanto, logo de cara percebe-se que se
trata de algo inconstitucional – o Executivo está criando órgãos públicos mesmo
sendo proibido a fazer tal coisa.
Os absurdos jurídicos, contudo, não param por aí.
A “sociedade civil”
Analisemos o texto do Decreto, para entender quais exatamente as
modificações que ele introduz no sistema governamental brasileiro.
Em princípio, e para quem não está acostumado com a linguagem de
textos legais, a coisa toda parece de uma inocência singular. Seu art. 1º
esclarece tratar-se de uma nova política pública, “a Política Nacional de
Participação Social”, que possui “o objetivo de fortalecer e articular
os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta
entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Ou seja:
tratar-se-ia apenas de uma singela tentativa de aproximar a “administração
pública federal” – leia-se, o estado – da “sociedade civil”.
O problema começa exatamente nesse ponto, ou seja, na expressão “sociedade
civil”. Quando usado em linguagem corrente, não se trata de um termo de
definição unívoca: prova disso é que sobre ele já se debruçaram inúmeros
pensadores desde o século XVIII. Tais variações não são o tema deste artigo,
mas, para quem se interessar, sugiro sobre o assunto a leitura deste texto de Roberto Campos, ainda
atualíssimo.
Para o Decreto, contudo, “sociedade civil” tem um sentido bem
determinado, exposto em seu art. 2º, I: dá-se esse nome aos “cidadãos,
coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados,
suas redes e suas organizações”.
Muita atenção a esse ponto, que é de extrema importância. O
Decreto tem um conceito preciso daquilo que é considerado como “sociedade
civil”. Dela fazem parte não só o “cidadão” – eu e você, como
pessoas físicas – mas também “coletivos, movimentos sociais
institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Ou seja: todos aqueles que promovem manifestações, quebra-quebras, passeatas,
protestos, e saem por aí reivindicando terra, “direitos” trabalhistas, passe
livre, saúde e educação – MST, MTST, MPL, CUT, UNE, sindicatos… Pior: há uma
brecha que permite a participação de movimentos “não institucionalizados”
– conceito que, na prática, pode abranger absolutamente qualquer coisa.
Em resumo: “sociedade civil”, para o Decreto, significa
“movimentos sociais”. Aqueles mesmos que, como todos sabemos, são controlados
pelos partidos de esquerda – em especial, pelo próprio PT. Não se enganem: a
intenção do Decreto 8.243 é justamente abrir espaço para a participação
política de tais movimentos e “coletivos”. O “cidadão” em nada é beneficiado –
em primeiro lugar, porque já tem e sempre teve direito de petição aos órgãos
públicos (art. 5º, XXXIV, “a” da Constituição); em segundo lugar, porque
o Decreto não traz nenhuma disposição a respeito da sua “participação popular”
– aliás, a palavra “cidadão” nem é citada no restante do texto, excetuando-se
um princípio extremamente genérico no art. 3º.
Podemos, então, reescrever o texto do art. 1º usando a própria
definição legal: o Decreto, na verdade, tem “o objetivo de fortalecer e
articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação
conjunta entre a administração pública federal e os movimentos sociais”.
Compreender o significado de “sociedade civil” no contexto
do Decreto é essencial para se interpretar o resto do seu texto. Basta notar
que a expressão é repetida 24 (vinte e quatro!) vezes ao longo do restante do
texto, que se destina a detalhar os instrumentos a serem utilizados na tal “Política
Nacional de Participação Social”.
“Mecanismos de participação social”
Ok, então: há uma política que visa a aproximar estado e
“movimentos sociais”. Mas no que exatamente ela consiste? Para responder a essa
questão, comecemos pelo art. 5º, segundo o qual “os órgãos e entidades da
administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as
especificidades de cada caso, considerar
as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste
Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus
programas e políticas públicas”.
Traduzindo o juridiquês: a partir de agora, todos os “os órgãos
e entidades da administração pública federal direta e indireta” (ou seja,
tudo o que se relaciona com o governo federal: gabinete da Presidência,
ministérios, universidades públicas…) deverão formular seus programas em
atenção ao que os tais “mecanismos de participação social”
demandarem. Na prática, o Decreto obriga órgãos da administração direta e
indireta a ter a participação desses “mecanismos”. Uma decisão de qualquer um
deles só se torna legítima quando houver essa consulta – do contrário, será
juridicamente inválida. E, como informam os parágrafos do art. 5º, essa
participação deverá ser constantemente controlada, a partir de “relatórios” e
“avaliações”.
Os “mecanismos de participação social” são apresentados no art. 2º
e no art. 6º, que fornecem uma lista com nove exemplos: conselhos e comissões
de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias federais, mesas de
diálogo, fóruns interconselhos, audiências e consultas públicas e “ambientes
virtuais de participação social” (pelo visto, nossos amigos da MAV-PT acabam de
ganhar mais uma função…).
A rigor, todas essas figuras não representam nada de novo, pois já
existem no direito brasileiro. Para ficar em alguns exemplos: “audiências
públicas” são realizadas a todo momento, a expressão “conferência nacional”
retorna 2.500.000 hits no Google e há vários exemplos já
operantes de “conselhos de políticas públicas”, como informa este breve relatório da Câmara dos Deputados sobre o tema. Qual seria o
problema, então?
A questão está, novamente, nos detalhes. Grande parte do restante
do Decreto – mais especificamente, os arts. 10 a 18 – destinam-se a dar
diretrizes, até hoje inexistentes (ao menos de uma forma sistemática), a
respeito do funcionamento desses órgãos de participação. E nessas diretrizes
mora o grande problema. Uma rápida leitura dos artigos que acabei de mencionar
revela que várias delas estão impregnadas de mecanismos que, na prática, têm o
objetivo de inserir os “movimentos sociais” a que me referi acima na máquina
administrativa brasileira.
Vamos dar um exemplo, analisando o art. 10, que disciplina os “conselhos
de políticas públicas”. Em seus incisos, estão presentes várias disposições
que condicionam sua atividade à da “sociedade civil” – leia-se, aos “movimentos
sociais”, como demonstrado acima. Por exemplo: o inciso I determina que os
representantes de tais conselhos devem ser “eleitos ou indicados pela
sociedade civil”, o inciso II, que suas atribuições serão definidas “com
consulta prévia à sociedade civil”. E assim por diante. Essas brechas estão
espalhadas ao longo do texto do Decreto, e, na prática, permitem que “coletivos,
movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e
suas organizações” imiscuam-se na própria Administração Pública.
O art. 19, por sua vez, cria um órgão administrativo novo (lembram
do que falei sobre a inconstitucionalidade, lá em cima?): “a Mesa de
Monitoramento das Demandas Sociais, instância colegiada interministerial
responsável pela coordenação e encaminhamento
de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas”.
Ou seja: uma bancada pública feita sob medida para atender “pautas dos
movimentos sociais”, feito balcão de padaria. Para quem duvidava das reais
intenções do Decreto, está aí uma prova: esse artigo sequer tem o pudor de
mencionar a “sociedade civil”. Aqui já é MST, MPL e similares mesmo, sem
intermediários.
Enfim, para resumir tudo o que foi dito até aqui: com o Decreto
8.243, (i) os “movimentos
sociais” passam a controlar determinados “mecanismos de participação social”; (ii) toda a Administração Pública
passa a ser obrigada a considerar tais “mecanismos” na formulação de suas
políticas. Isto é: o MST passa a dever ser ouvido na formulação de políticas
agrárias; o MPL, na de transporte; aquele sindicato que tinge a cidade de
vermelho de quando em quando passa a opinar sobre leis trabalhistas. “Coletivos,
movimentos sociais, suas redes e suas organizações” se inserem no sistema
político, tornando-se órgãos de consulta: na prática, uma extensão do
Legislativo.
“Back in the U.S.S.R.”!
Esse sistema de “poder paralelo” não é inédito na História – e
entender as experiências pretéritas é uma excelente maneira de se compreender o
que significam as atuais. É isso que, como antecipei no início do texto, nos
leva de volta a 1917 e aos “sovietes” da Revolução Russa, possivelmente o
exemplo mais conhecido e óbvio desse tipo de organização. Se é verdade que “aqueles
que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, como diz o
clássico aforismo de George Santayana, é essencial voltar os olhos para o
passado e entender o que de fato se passou quando um modelo de organização
social idêntico ao instituído pelo Decreto 8.243 foi adotado.
Essa análise nos leva ao momento imediatamente posterior à
Revolução de Fevereiro, que derrubou Nicolau II. O clima de anarquia gerado
após a abdicação do czar levou à formação de um Governo Provisório inicialmente
desorganizado e pouco coeso, incapaz de governar qualquer coisa que fosse.
Paralelamente, formou-se na capital russa (Petrogrado) um conselho
de trabalhadores – na verdade, uma repetição de experiências históricas
anteriores similares, que na Rússia remontavam já à Revolução de 1905. Tal
conselho – o Soviete de Petrogrado – consistia de “deputados” escolhidos
aleatoriamente nas fábricas e quarteis. Em 15 dias de existência, o soviete
conseguiu reunir mais de três mil membros, cujas sessões eram realizadas de
forma caótica – na realidade, as decisões eram tomadas pelo seu comitê
executivo, conhecido como Ispolkom.
Nada diferente de um MST, por exemplo.
A ampla influência que o Soviete possuía sobre os trabalhadores
fez com que os representantes do Governo Provisório se reunissem com seus
representantes (1º-2 de março de 1917) em busca de apoio à formação de um novo
gabinete. Isto é: o Governo Provisório foi buscar sua legitimação junto aos
sovietes, ciente de que, sem esse apoio, jamais conseguiria firmar qualquer
autoridade que fosse junto aos trabalhadores industriais e soldados. O
resultado dessas negociações foi o surgimento de um regime de “poder dual” (dvoevlastie),
que imperaria na Rússia de março/1917 até a Revolução de Outubro: nesse
sistema, embora o Governo Provisório ocupasse o poder nominal, este na prática
não passava de uma permissão dos sovietes, que detinham a influência
majoritária sobre setores fundamentais da população russa. A Revolução de
Outubro, que consolidou o socialismo no país, foi simplesmente a passagem de
“todo o poder aos sovietes!” (“vsia vlast’ sovetam!”) – um poder que, na
prática, eles já detinham.
Antes mesmo do Decreto 8.243, o modelo soviético já antecipava de
forma clara o fenômeno dos “movimentos sociais” que ocorre no Brasil
atualmente. Com o Decreto, a similaridade entre os modelos apenas se
intensificou.
Em primeiro lugar, e embora tais movimentos clamem ser a
representação do “povo”, dos “trabalhadores”, do “proletariado” ou de qualquer
outra expressão genérica, suas decisões são tomadas, na realidade, por poucos
membros – exatamente como no Ispolkom soviético, a deliberação parte de um
corpo diretor organizado e a aclamação é buscada em um segundo momento, como
forma de legitimação. Qualquer assembleia de movimentos de esquerda em
universidades é capaz de comprovar isso.
Além disso, a institucionalização de conselhos pelo Decreto 8.243
leva à ascensão política instantânea de “revolucionários profissionais” –
pessoas que dedicam suas vidas inteiras à atividade partidária, em uma tática
já antecipada por Lênin em seu panfleto “Que
Fazer?”, de 1902 (capítulo 4c). Explico melhor. Vamos supor por um
momento que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato pretenda
“inserir a sociedade civil” dentro de decisões políticas (como, aliás, afirma o
diretor de Participação Social da Presidência da República neste artigo d’O Globo). Ora, quem exatamente
teria tempo para participar de “conselhos”, “comissões”, “conferências” e
“audiências”? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando,
levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator
escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para
participar ativamente de decisões políticas – é exatamente por isso que
representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é
difícil saber. Basta passar em qualquer sindicato ou diretório acadêmico: ele
estará cheio de “revolucionários profissionais”, cuja atividade política
extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presidencial.
A questão foi bem resumida por Reinaldo Azevedo, no texto que
citei no início deste artigo. Diz o articulista: “isso que a presidente está
chamando de ‘sistema de participação’ é, na verdade, um sistema de tutela.
Parte do princípio antidemocrático de que aqueles que participam dos ditos
movimentos sociais são mais cidadãos do que os que não participam. Criam-se,
com esse texto, duas categorias de brasileiros: os que têm direito de
participar da vida púbica [sic] e os que não têm. Alguém dirá:
‘Ora, basta integrar um movimento social’. Mas isso implicará, necessariamente,
ter de se vincular a um partido político”.
Exatamente por esses motivos, tal forma de organização confere a
extremistas de esquerda possibilidades de participação política muito mais
amplas do que eles teriam em uma lógica democrática “verdadeira” – na qual ela
seria reduzida a praticamente zero. Basta ver que o Partido Bolchevique, que
viria a ocupar o poder na Rússia em outubro de 1917, era uma força política
praticamente irrelevante dentro do país: sua subida ao poder se deve, em grande
parte, à influência que exercia sobre os demais partidos socialistas
(mencheviques e socialistas-revolucionários) dentro do sistema dos sovietes.
Algo análogo ocorre no Brasil atual: salvo exceções pontuais, PSOL, PSTU et caterva apresentam resultados pífios nas
eleições, mas por meio da ação de “movimentos sociais” conseguem inserir as
suas pautas na discussão política. As manifestações pelo “passe livre” – uma
reivindicação extremamente minoritária, mas que após um quebra-quebra nacional
ocupou grande parte da discussão política em junho/julho de 2013 – são um
exemplo evidente disso.
O sistema introduzido pelo Decreto 8,243 apenas incentiva esse
tipo de ação. O Legislativo “oficial” – aquele que contém representantes da
sociedade eleitos voto a voto, representando proporcionalmente diversos setores
– perde, de uma hora para outra, grande parte de seu poder. Decisões estatais
só passam a valer quando legitimadas por órgãos paralelos, para os quais
ninguém votou ou deu sua palavra de aprovação – e cujo único “mérito” é o fato
de estarem alinhados com a ideologia do partido que ocupa o Executivo.
Pior: a administração pública é engessada, estagnada. Não no
sentido definido no artigo d’O Globo que linkei acima (demora na tomada de
decisões), mas em outro: os cargos decisórios desse “poder Legislativo
paralelo” passam a ser ocupados sempre pelas mesmas pessoas. Suponhamos, em um
esforço muito grande de imaginação, que o PT perca as eleições presidenciais de
2018 e seja substituído por, digamos, Levy Fidelix e sua turma. Com a reforma
promovida pelo Decreto 8.243 e a ocupação de espaços de deliberação por órgãos
não eletivos, seria impossível ao novo presidente implantar suas políticas
aerotrênicas: toda decisão administrativa que ele viesse a tomar teria que,
obrigatoriamente, passar pelo crivo de conselhos, comissões e conferências que
não são eleitos por ninguém, não renovam seus quadros periodicamente e não têm
transparência alguma. Ou seja: ainda que o titular do governo venha a mudar,
esses órgãos (e, mais importante, os indivíduos a eles relacionados) permanecem
dentro da máquina administrativa ad
eternum, consolidando cada vez mais seu poder.
Conclusão
O Decreto 8.243 é, possivelmente, o passo mais ousado já tomado
pelo PT na consecução do “socialismo democrático” – aquele sistema no qual você
está autorizado a expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o
marxismo. Sua real intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando
as instituições já existentes como também criando um meio de “acesso
facilitado” de movimentos sociais à política.
Boa parte dos leitores dessa página podem estar se perguntando: “e
daí?”. Afinal, sabemos que a democracia representativa é um sistema imperfeito:
suas falhas já foram expostas por um número enorme de autores, de Tocqueville a
Hans-Hermann Hoppe. É verdade.
No entanto, a democracia representativa ainda é “menos pior” do
que a alternativa que se propõe. Um sistema onde setores opostos da sociedade
se digladiam em uma arena política, embora tenda necessariamente a
favorecimentos, corrupção e má aplicação de recursos, ainda possui certo
“controle” interno: leis e decisões administrativas que favoreçam demais a
determinados grupos ou restrinjam demasiadamente os direitos de outros em geral
tendem a ser rechaçadas. Isso de forma alguma ocorre em um sistema onde decisões
oficiais são tomadas e “supervisionadas” por órgãos cujo único compromisso é o
ideológico, como o que o Decreto 8.243 tenta implementar.
Esse segundo caso, na verdade, nada mais é do que uma pisada funda
no acelerador na autoestrada para a servidão.
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