''Let's go to Brazil''
Autor(es): Guilherme Magaldi Netto
O Estado de S. Paulo - 12/01/2011
Para quem não conhece, John
Dillinger - interpretado no cinema pelo ator americano Johnny Depp - foi o
gângster mais procurado pelo FBI em Chicago no início dos anos 1930. Nas cenas
finais do filme Inimigos Públicos (Public Enemies), Dillinger, encurralado pela
polícia após a morte de seus comparsas, abraça a namorada, Billie Frechette, e
lhe propõe: "Vamos fugir. Let"s go to Brazil."
Infelizmente, não só no cinema,
no imaginário de Hollywood, mas também na vida real o Brasil adquiriu fama
internacional de país da impunidade e é visto no exterior como porto seguro
para fugitivos da Justiça. Aqui buscaram refúgio, no passado recente,
criminosos de todo tipo, dentre outros, o famoso assaltante britânico Ronald
Biggs, conhecidos nazistas alemães, como Franz Stangl e Gustav Franz Wagner,
terroristas como o belga Patrick Hamers ou membros de organizações
paramilitares como os montoneros e os tupamaros, ditadores sul-americanos
(Stroessner é um deles ), mafiosos de várias nacionalidades (quem não se lembra
do italiano Tommaso Buschetta?), traficantes de drogas e, recentemente, o
israelense Elior Hen, que espancava crianças em nome de uma seita religiosa.
Cesare Battisti, por
coincidência, também escolheu o Brasil. Por que deveríamos mantê-lo em nosso
território? O que ganharíamos com isso, além de ver nossa reputação mais
abalada ainda?
Battisti é um homicida. Matou ou
participou da morte como coautor de quatro pessoas, dentre elas um açougueiro e
um joalheiro italianos. Cometeu, pois, infrações penais comuns, sem motivação
política alguma, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo, aliás,
parecer do procurador-geral da República. Tollitur quaestio. Ninguém, nem o
presidente da República, pode mais alterar a natureza ou a motivação dos crimes
imputados a Battisti.
Battisti alega, no entanto, que
não haveria prova suficiente de sua participação nesses quatro assassinatos.
Ele seria inocente. A Justiça italiana disse exatamente o contrário. As provas
seriam contundentes e aptas a suportar juízo condenatório. Battisti, para o
Judiciário italiano, é realmente culpado. Nesse contexto, seria teratológico
imaginar que um tribunal brasileiro, e muito menos autoridades do Poder
Executivo, pudessem absolver Battisti sumariamente, funcionando como uma
espécie de órgão revisor das decisões das Cortes de país estrangeiro.
Os crimes, por outro lado, não
estão prescritos, quer aqui, no Brasil, quer lá, na Itália. Assim também
decidiu a nossa Corte Suprema, com força de coisa julgada, como se diz no
jargão jurídico.
Acrescente-se, ainda, que a
insuspeita Corte Europeia de Direitos Humanos, ao julgar o caso Battisti,
concluiu que a ele tinha sido garantido, pelos tribunais italianos, o mais
amplo acesso aos meios processuais de defesa e ao devido processo legal. Vale
dizer: segundo a jurisdição europeia, a condenação de Battisti resultou de um
processo justo sob todos os aspectos legais, ao contrário do que apregoam,
falsamente, os seus advogados e admiradores.
Sim, é certo, um ex-ministro da
Justiça entrou em cena extemporaneamente, quando já tramitava o processo
extradicional, e criou um imbróglio dando a Battisti o status de
"refugiado político". No Supremo, onde impera o bom senso, o
tresloucado ato administrativo foi tido por ilegal, já que Battisti não
preenchia os requisitos previstos em lei para ser reconhecido como refugiado -
o que, aliás, o órgão competente nessa matéria, o Comitê Nacional para os
Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, já havia dito antes. Logo,
Battisti não é mais um "refugiado político". E não pode, é claro,
"readquirir" esse status, sob pena de se afrontar decisão da mais
alta Corte do País.
Não há, em suma, nenhum título
jurídico que garanta a permanência de Battisti no Brasil. É um estrangeiro,
passível de extradição, que se encontra em situação ilegal no País: não tem
passaporte (o que tinha era falsificado), não tem visto (também falsificado) e,
o que é pior, é um foragido condenado pela Justiça italiana.
Cabe, por isso, às autoridades
brasileiras entregá-lo imediatamente à Itália. É obrigação ex lege. Se não a
cumprirem, estarão violando a lei, isto é, o Tratado de Extradição Brasil-Itália,
que, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo presidente da
República, se incorporou definitivamente ao nosso ordenamento jurídico.
Dizem, todavia - e é verdade -,
que o tratado prevê uma hipótese única de recusa de entrega do extraditando:
"razões humanitárias" (sic). Por aí, por essa brecha da lei Battisti
escaparia da Justiça uma vez mais, agora com o aval do ex-presidente da
República, que, pasme-se, se negou a entregá-lo à Justiça italiana.
"Razões humanitárias"?
Pelo que se sabe, Battisti não está no leito da morte, não é portador de
nenhuma doença grave e incurável, tampouco tem família ou filhos brasileiros
que dele dependam para seu sustento, e seria um delírio alguém concluir que nas
prisões italianas terá tratamento mais desumano do que nos cárceres
brasileiros. Pior asneira ainda seria imaginar que em pleno século 21 Battisti
pudesse sofrer algum tipo de perseguição em território de país europeu, onde há
efetivo controle internacional de violações de direitos humanos.
Enfim, além do vexame
internacional, o ato presidencial é um rematado absurdo, tanto jurídico como
político, mas tudo é possível nesse caso, em que definitivamente, não imperam
mais a razão, o bom senso e o Direito. Se ficar no Brasil por "razões
humanitárias", terá valido a pena para Battisti seguir o conselho do
gângster americano e de tantos outros criminosos que aqui aportaram:
"Let"s go to Brazil."
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