“Já no PT, construiu com Lula, que vinha do movimento sindical,
uma parceria com base mais na complementaridade do que nas afinidades pessoais.
Segundo ex-companheiros, um tinha o carisma popular, outro a capacidade de planejamento
e disciplina.”
José Dirceu: de líder
estudantil a réu condenado por corrupção no STF
Por O Globo (pais.online@oglobo.com.br) | Agência O Globo
RIO - Condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de
corrupção ativa, acusado de comandar uma "sofisticada organização criminosa"
no esquema do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi líder
estudantil, participou da luta armada, foi preso político, exilado e viveu
dupla identidade na clandestinidade, antes de assumir a presidência do Partido
dos Trabalhadores e levar a legenda à conquista da Presidência da República,
com Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
Ainda menino, em Passa Quatro, Minas Gerais, Dirceu já sonhava com
um futuro que iria além dos horizontes da pacata cidade na serra mineira:
- Sozinho, olhando para o céu, vi uma estrela caindo e descobri o
que queria: sair dali para conhecer o mundo.
A descoberta da política
Ao sair da cidade natal, Dirceu, recomendado por um tio, prefeito
de uma cidade do interior de São Paulo, foi trabalhar no escritório político do
então deputado Havolene Júnior. O jovem José Dirceu assistiu ao golpe militar
de 1964 na Praça da República. Não participava do movimento secundarista,
embora já fosse politizado.
- Quando vi aqueles filhinhos de papai, pó-de-arroz, filhos de paulistas
quatrocentões, menininhos do Mackenzie, apoiando o golpe, disse logo: tô
contra.
Amigos de Dirceu daquela época contam que ele era terrível:
compatibilizava a vida de contínuo bem remunerado, pois trabalhava muito, com a
de organizador estudantil e freqüentador da noite paulista.
- Parece mentira, mas o Zé entrava numa fila de banco para pagar
as contas do patrão e já saía com uma namorada. Andava dez metros e já era
assediado - conta um amigo.
- A faculdade mudou minha vida. - confessa Dirceu. - Participei de
uma revolução dos costumes, contra os padrões morais daquela época. Usava
cabelos compridos.
O movimento estudantil, na época, impulsionava todos os
acontecimentos culturais: estava presente na música popular, no cinema, no
teatro. Apesar de sua liderança no meio estudantil, Dirceu sempre era do tipo
"eu sou eu". Entrou para o PCB e saiu com a dissidência:
- Minha geração sempre foi antistalinista. Todo o meu grupo optou
pela luta armada, menos eu. Mas só fui descobrir isso ao ser preso no Congresso
de Ibiúna.
Um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano, Dirceu
acabou se envolvendo diretamente com a luta armada no treinamento em Cuba.
Recebeu a missão de vir para o Brasil. Durante um ano e meio treinou sua nova
identidade em Cuba: escolheu uma cidade, Guaratinguetá, estudou tudo sobre ela
e decorou o script de sua família fictícia. Aprovado no curso, assumiu a
identidade de Carlos Henrique.
(...)
Em Cuba, Dirceu, que havia feito uma operação plástica para poder
transformar-se em Carlos Henrique, a desfez para reassumir a identidade
verdadeira. Por segurança, de 1979 até 86 só Clara ficou sabendo que Dirceu
havia sido Carlos Henrique.
Como Carlos Henrique, Dirceu conviveu com parentes do locutor
esportivo Osmar Santos. Na campanha das diretas, em 1984, trabalhando com
Osmar, Dirceu ficava horas falando da vida do locutor, que ficava intrigado.
Dois anos depois é que Osmar soube que o petista havia sido o famoso Pedro
Caroço. E se vingava todas as vezes que o time de Dirceu, o Corinthians, estava
perdendo:
- Olha aí, Pedro Caroço, o seu time está perdendo. Em que lugar do
Brasil você deve estar agora?
Hoje, Dirceu está no quarto casamento. Entre a separação de Clara,
em 81, e a atual união com Evanise Santos, ele se casou com a portuguesa Ângela
Saragossa, com quem teve uma filha, Joana e com Maria Rita. Dirceu também tem
outra filha, Camila, de outro relacionamento. De sua identidade de Carlos
Henrique ficou uma das mais gratas recordações de vida: o filho Zeca, que hoje
é deputado federal pelo PT paranaense.
Do Planalto à planície
Já no PT, construiu com Lula, que vinha do movimento sindical, uma
parceria com base mais na complementaridade do que nas afinidades pessoais.
Segundo ex-companheiros, um tinha o carisma popular, outro a capacidade de planejamento
e disciplina.
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***
NOTA DE JOSÉ DIRCEU ENVIADA PARA IMPRENSA
AO POVO BRASILEIRO
No dia 12 de outubro de 1968,
durante a realização do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, fui preso, juntamente
com centenas de estudantes que representavam todos os estados brasileiros
naquele evento. Tomamos, naquele momento, lideranças e delegados, a decisão
firme, caso a oportunidade se nos apresentasse, de não fugir.
Em 1969 fui banido do país e tive
a minha nacionalidade cassada, uma ignomínia do regime de exceção que se
instalara cinco anos antes.
Voltei clandestinamente ao país,
enfrentando o risco de ser assassinado, para lutar pela liberdade do povo
brasileiro.
Por 10 anos fui considerado,
pelos que usurparam o poder legalmente constituído, um pária da sociedade,
inimigo do Brasil.
Após a anistia, lutei, ao lado de
tantos, pela conquista da democracia. Dediquei a minha vida ao PT e ao Brasil.
Na madrugada de dezembro de 2005,
a Câmara dos Deputados cassou o mandato que o povo de São Paulo generosamente
me concedeu.
A partir de então, em ação
orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT e seu governo, fui transformado
em inimigo público numero 1 e, há sete anos, me acusam diariamente pela mídia,
de corrupto e chefe de quadrilha.
Fui prejulgado e linchado. Não
tive, em meu benefício, a presunção de inocência.
Hoje, a Suprema Corte do meu
país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao
que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência
de provas e a minha inocência. O Estado de Direito Democrático e os princípios
constitucionais não aceitam um juízo político e de exceção.
Lutei pela democracia e fiz dela
minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei. Continuarei a
lutar até provar minha inocência. Não abandonarei a luta. Não me deixarei
abater.
Minha sede de justiça, que não se
confunde com o ódio, a vingança, a covardia moral e a hipocrisia que meus
inimigos lançaram contra mim nestes últimos anos, será minha razão de viver.
Vinhedo, 09 de outubro de 2012
José Dirceu"
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