Horizonte Autoritário
Jorge Roriz | 04/10/2010 -
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*Carlos Alberto di Franco - O Estado de S.Paulo
Escrevo este artigo antes da
abertura das urnas. Mas o quadro nacional, independentemente do resultado das
eleições, desperta graves preocupações. O presidente Lula começa a descer a
rampa do poder. Em janeiro, agasalhado por uma popularidade sem precedentes,
cravará seu nome na História. A caneta, no entanto, mudará de dono.
O Brasil de hoje,
independentemente dos problemas que assombram a economia mundial, é um
emergente respeitável. Os tucanos, com razão, atribuem nossa boa performance às
sementes plantadas no governo FHC. Já os petistas, colados nos notáveis índices
de aprovação presidencial, jogam todas as fichas na conta do presidente da
República. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, com seus
erros e acertos, contribuíram positivamente para que chegássemos ao atual
patamar. Fernando Henrique modernizou o Estado. Lula iniciou o resgate da
fatura social.
O Brasil melhorou. É
indiscutível. Mudamos de patamar. Tal desempenho, apropriado sem pudores pelo
governo petista, decorreu de um cenário internacional muito favorável ao País.
Mas internamente é, em parte, uma consequência das políticas sociais adotadas
pelo governo.
O Bolsa-Família foi um
instrumento de promoção social. Mas é preciso que essa ferramenta de inclusão
seja a porta de entrada da cidadania. E isso não aconteceu. Os programas
sociais, cuja validade não contesto, renderam milhões de votos, mas não fizeram
cidadãos. Só a educação é capaz de transformar eleitores de cabresto em pessoas
livres e conscientes. A última fase do governo Lula, marcada por constantes
episódios de corrupção, cumplicidade com oligarquias nefastas e manifestações
de desprezo pelas liberdades públicas, vai ganhando contornos de um indesejável
populismo autoritário. O lulismo que se avizinha lembra muito o peronismo que
empurrou a Argentina para o lusco-fusco do desenvolvimento.
Lula manifesta irritação com o
trabalho da imprensa independente. Seus sucessivos e reiterados ataques à imprensa,
balanceados com declarações formais de adesão à democracia, não conseguem mais
esconder a verdadeira face dos que, mesmo legitimados pela força dos currais
eleitorais, querem tudo, menos democracia. Para o presidente da República, um
político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão, imprensa boa é
a que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda e deve ser
extirpado.
O presidente da República,
travestido em chefe de facção, deveria olhar para os desmandos que transformaram
a Casa Civil num autêntico balcão de negócios. Mas não é o que o presidente
faz. Ao contrário. Num exercício incrível de leniência, o presidente da
República abraça os corruptos e ataca os que denunciam a corrupção.
Recente manifesto de juristas,
intelectuais e artistas, divulgado em São Paulo, no Largo de São Francisco, acendeu a
luz amarela no cenário da nossa democracia. "O País vive um caudilhismo
que se impõe assustadoramente", declarou José Carlos Dias, ex-ministro da
Justiça de Lula. "Na certeza da impunidade (Lula), já não se preocupa mais
nem mesmo em valorizar a honestidade", disse Hélio Bicudo, um dos
fundadores do PT. É o grito de lideranças insuspeitas. Gente que lutou contra a
ditadura denuncia o presidente da República como demolidor das instituições. É
muito sério.
Na verdade, cabe à imprensa um
papel fundamental na salvaguarda da democracia. O presidente da República, seu
partido e sua candidata, independentemente das declarações de ocasião em favor
da liberdade de imprensa, resistem ao contraditório e manifestam desagrado com
o exercício normal das liberdades públicas. Não tenhamos receio das renovadas
tentativas de atribuir à imprensa falsos propósitos golpistas. Trata-se de
síndrome persecutória, uma patologia política bem conhecida.
A biografia do presidente Lula
foi construída graças aos seus méritos pessoais e aos amplos espaços que a
democracia oferece a todos os cidadãos. Mas o poder fascina e confunde. E os
bajuladores, de ontem, de hoje e de sempre, são o veneno da democracia. Preocupa,
e muito, o entusiasmo do presidente da República, de sua candidata e de seu
partido com modelos políticos capitaneados por caudilhos.
Não é de hoje a fina sintonia do
petismo com governos autoritários. O Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula
e Fidel Castro, entre outros, e cujas atas podem ser acessadas na internet,
mostra que não há acasos. Assiste-se, de fato, a um processo articulado de
socialização do continente de matriz autoritária. E o presidente da República é
um dos líderes, talvez o mais expressivo, dessa progressiva estratégia de
estrangulamento das liberdades públicas. A fórmula "Lulinha paz e
amor" acabou. Agora, com o Estado aparelhado, o Congresso dominado (a
aliança governista terá ampla maioria no Legislativo) e a imprensa fustigada, o
lulismo mostra sua verdadeira cara: o rosto do caudilhismo.
Cabe à imprensa, num momento
grave da história da democracia, denunciar a tirania que vem por aí, mesmo
quando camuflada pela legitimidade das urnas. Respeitamos, por óbvio, o processo
eleitoral. Mas denunciamos as estratégias gramscianas de tomada do poder. O
papel da imprensa não é estar do lado do poder, muito menos aplaudir
unanimidades momentâneas. Nossa função é mostrar o que é verdadeiro e
relevante.
Tentativas de controle dos meios
de comunicação, flagrantemente inconstitucionais, serão repudiadas pela
imprensa séria e ética, pelos formadores de opinião (que não vendem sua
consciência em balcões de negócios) e pela sociedade. Os brasileiros apreciam a
democracia. Assim como condenaram os regimes de exceção, não aceitam projetos
autoritários que, sob o manto da justiça social, anulam um dos maiores bens da
vida: a liberdade.
*DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É
PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
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