“o Supremo estabeleceu que homem não precisa ser “homem” nem
mulher, mulher. E se esses dois gêneros passaram a existir só na biologia (isso
não se muda por decreto), então tudo é permitido. E não duvidem: as mulheres
sairão perdendo.”
“Aos poucos, os valores universais da democracia é que
estão sendo corroídos. Essa corrosão, é fatal, acabará ferindo direitos.
Laerte, querendo ou não, resolveu agredir os das mulheres.”
No post abaixo, anuncio que falarei sobre o caso do cartunista
Laerte, o tal que decidiu andar por aí vestido de mulher e quer usar banheiro
feminino. Repito o primeiro parágrafo para dar continuidade ao texto.
É quase inacreditável que eu me veja compelido a tratar de
determinadas questões aqui, mas fazer o quê? Certas expressões extremistas das
minorais agora decidiram que a democracia - que lhes garante, felizmente, a
liberdade de expressão - é só uma etapa a ser superada por microditaduras -
justamente as microditaduras das minorias. Santo Deus! Vou valar do caso do
cartunista Laerte, que é “Sônia” de vez em quando. Problema dele. Se ele quer,
no entanto, usar o banheiro das mulheres quando está “montado”, aí o problema é
nosso, de todos nós: homens, pais, mulheres, mães, filhas, meninas.
Muito bem!
A democracia, o melhor dos piores regimes, garante direitos
universais e procura proteger a maioria das imposições das minorias influentes
— pouco importa a natureza dessa influência. Se cada grupo que cultiva valores
particulares decidir impor os seus próprios anseios e suas próprias
necessidades ao conjunto da sociedade, então viveremos uma verdadeira guerra de
todos contra todos.
Uma mulher se incomodou com a presença de Laerte, que se define
agora como uma “pessoa transgênera”, no banheiro feminino de um restaurante e
fez o óbvio: reclamou com o gerente, que recomendou ao cartunista que usasse o
banheiro masculino. Que escândalo, não??? Para efeitos civis e legais (e
segundo a biologia), ele continua… homem! Ele se ofendeu e procurou, imaginem
só, a Secretaria de Justiça do Estado porque uma lei estadual, a 10.948/01, de
autoria do petista Renato Simões, proíbe a discriminação de gênero (já falo a
respeito).
Laerte, que tem 60 anos, é gay? Ele já foi casado e tem dois
filhos. Também tem uma namorada. No que concerne à prática sexual propriamente,
define-se como bissexual. Há dois anos, decidiu sair por aí vestido de mulher.
Atenção! Nós não temos rigorosamente nada com isso! Faça ele da sua vida o que
bem entender. No passeio público, nos restaurantes, onde quer que seja, desde
que se comporte, como toda gente, segundo as regras da civilidade, deve ser
respeitado, como qualquer pessoa. Ponto!
No dia, no entanto, em que bastar a um homem se vestir
de mulher para poder freqüentar um espaço destinado, queiramos ou não, à
intimidade das mulheres — e, atenção!, das meninas —, esses espaços ficarão à
mercê da ação de pervertidos (eles existem!), que verão uma chance excepcional,
sob a proteção da lei, de molestá-las. NÃO, SENHORES! LAERTE NÃO ESTÁ TENTANDO
GARANTIR OS DIREITOS DAS TRANSGÊNERAS! ELE ESTÁ TENTANDO SOLAPAR OS DIREITOS
FEMININOS.
Laerte faz um questionamento ridículo: pergunta se a mulher que
reclamou se sentiria incomodada se houvesse uma lésbica no banheiro. Ainda que
se sentisse, nada poderia fazer — sempre destacando os limites da civilidade a
que todos devem obedecer. Ocorre que Laerte não é lésbica. Mesmo quando e se
faz sexo com sua namorada portando adereços femininos, continua a ser um homem
portando adereços femininos.
Ele apelou, imaginem, à Secretaria de Justiça do Estado por conta
da lei 10.948, proposta originalmente pelo deputado petista Renato Simões.
Transcrevo a íntegra. Volto depois.
Artigo 1º - Será punida, nos termos desta lei, toda manifestação
atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual
ou transgênero.
Artigo 2º - Consideram-se atos atentatórios e discriminatórios dos direitos
individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros,
para os efeitos desta lei:
I - praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou
vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou
estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
III - praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente
determinado em lei;
IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou
similares;
V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento
ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;
VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão
direta ou indireta, em função da orientação sexual do empregado;
VII - inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em
qualquer estabelecimento público ou privado em função da orientação sexual do
profissional;
VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas
expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos.
Artigo 3º - São passíveis de punição o cidadão, inclusive os
detentores de função pública, civil ou militar, e toda organização social ou
empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas
neste Estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei.
Artigo 4º - A prática dos
atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo
administrativo, que terá início mediante:
I - reclamação do ofendido;
II - ato ou ofício de autoridade competente;
III - comunicado de organizações não-governamentais de defesa da
cidadania e direitos humanos.
Artigo 5º - O cidadão homossexual, bissexual ou transgênero que for vítima dos
atos discriminatórios poderá apresentar sua denúncia pessoalmente ou por carta,
telegrama, telex, via Internet ou fac-símile ao órgão estadual competente e/ou
a organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.
§ 1º - A denúncia deverá ser fundamentada por meio da descrição do
fato ou ato discriminatório, seguida da identificação de quem faz a denúncia,
garantindo-se, na forma da lei, o sigilo do denunciante.
§ 2º - Recebida a denúncia, competirá à Secretaria da Justiça e da
Defesa da Cidadania promover a instauração do processo administrativo devido
para apuração e imposição das penalidades cabíveis.
Artigo 6º - As penalidades aplicáveis aos que praticarem atos de
discriminação ou qualquer outro ato atentatório aos direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana serão as seguintes:
I - advertência;
II - multa de 1000 (um mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de
São Paulo;
III - multa de 3000 (três mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São
Paulo, em caso de reincidência;
IV - suspensão da licença estadual para funcionamento por 30
(trinta) dias;
V - cassação da licença estadual para funcionamento.
§ 1º - As penas mencionadas nos incisos II a V deste artigo não se
aplicam aos órgãos e empresas públicas, cujos responsáveis serão punidos na
forma do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado - Lei nº 10.261, de
28 de outubro de 1968.
§ 2º - Os valores das multas poderão ser elevados em at 10 (dez) vezes quando
for verificado que, em razão do porte do estabelecimento, resultarão inócuas.
§ 3º - Quando for imposta a pena prevista no inciso V supra, deverá ser
comunicada a autoridade responsável pela emissão da licença, que providenciará
a sua cassação, comunicando-se, igualmente, a autoridade municipal para
eventuais providências no âmbito de sua competência.
Artigo 7º - Aos servidores públicos que, no exercício de suas
funções e/ou em repartição pública, por ação ou omissão, deixarem de cumprir os
dispositivos da presente lei, serão aplicadas as penalidades cabíveis nos
termos do Estatuto dos Funcionários Públicos.
Artigo 8º - O Poder Público disponibilizará cópias desta lei para que sejam
afixadas nos estabelecimentos e em locais de fácil leitura pelo público em
geral.
Artigo 9º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Voltei
A lei não ampara, parece-me, a reivindicação de Laerte. Segundo se
entende, ele não sofreu qualquer restrição ou preconceito na área comum do
restaurante, aquela destinada a homens, mulheres, gays, lésbicas e
“transgêneras”, como ele diz. Só lhe foi pedido, vejam que absurdo, que, sendo
homem (sem qualquer ofensa), use o banheiro de homem. Ainda que ele seja uma
lady e jamais usasse de sua condição para molestar mulheres ou meninas, tem de
pensar no que a sua reivindicação implica. Se não pensa, cegado por sua luta,
esse também é um problema dele, não nosso.
Essa questão, de um ridículo atroz, não deixa de ser um
desdobramento daquela decisão infeliz do STF sobre a união estável. Não que eu
seja contra. Não sou! Só que é preciso mudar a Constituição, que define a tal
união como a celebrada entre “homem” e “mulher” — o texto é mais explícito do
que filmes estrelados por Linda Lovelace (essa referência é para os com 50,
como eu, hehe…). Qual foi a consideração que triunfou? A Constituição teria
valores mais altos em favor da igualdade etc e tal. Ora, os que criticaram a
decisão, como fiz, não estavam contestando esses valores, mas apontando que,
para a questão específica, a união civil, o texto estabelece precondições.
Ao ignorá-las, o Supremo estabeleceu que homem não precisa ser “homem”
nem mulher, mulher. E se esses dois gêneros passaram a existir só na biologia
(isso não se muda por decreto), então tudo é permitido. E não duvidem: as
mulheres sairão perdendo. É bem provável que elas não invadam os banheiros
masculinos por uma penca de motivos que nem vou elencar aqui (boa parte dos
homens não se incomodaria, também por uma penca de motivos…), mas terão
invadidos os espaços que lhes são reservados.
A isso está nos conduzindo o pensamento politicamente
correto, que confunde reivindicações de minorias, mesmo as mais radicalizadas,
com uma categoria de pensamento. Aos poucos, os valores universais da
democracia é que estão sendo corroídos. Essa corrosão, é fatal, acabará ferindo
direitos. Laerte, querendo ou não, resolveu agredir os das mulheres.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/laerte-naoi-esta-reivindicando-um-direito-para-as-%E2%80%9Ctransgeneras%E2%80%9D-esta-e-tentando-solapar-um-direito-das-mulheres/
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