Vários fatos e declarações foram ignorados nas
reuniões da Comissão de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos da Câmara de
Vereadores de Porto Alegre e também na Promotoria de Justiça de Defesa do
Patrimônio Público. Inicio analisando algumas explicações do Procurador Jorge
Cesa Ferreira da Silva.
1. A penhora, portanto, só existe a partir
da inscrição no registro de Imóveis. Isso está no Código de Processo Civil, é
decisão remansosa da jurisprudência do STJ. (...) Só que esse bem,
anteriormente a isso, teve comprometida a sua venda com o Município de Porto
Alegre, pelos documentos que aí estão. Quando dessa aquisição, não havia
possibilidade, nem lógica, nem jurídica, do conhecimento dessa circunstância.
Não se poderia imaginar a existência desse processo e nem há dever jurídico de conhecer esse
processo.
A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor –
http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=740 –, no link “Cartilhas e
Informes” alerta para que o comprador
exija as certidões dos distribuidores cível, criminal e federal do vendedor,
pois são investigações importantes. “A falta dessas informações pode
comprometer a segurança do negócio e acarretar prejuízos”, alerta a Cartilha.
No site do Procon de Porto Alegre, não encontrei uma cartilha, mas, telefonando
para o órgão, os advogados recomendam o mesmo procedimento. No endereço
eletrônico (http://pt.wikipedia.org/wiki/Certid%C3%A3o_de_objeto_e_p%C3%A9) há
indicação para que também sejam solicitados os documentos que atestem a
idoneidade dos vendedores, para saber se eles não estão sendo acionados
judicialmente por ações que possam comprometer a venda. No caso de apontamento
de alguma ação, deve-se exigir a
certidão explicativa, também chamada de certidão de objeto e pé (um documento
oficial sobre o objeto do processo que mostra a
fase do trâmite em que ele se
encontra). Esse documento é emitido pelo
cartório judicial onde o processo se desenvolve. Tal certidão comprova a
situação do processo e permite que alguém, que não consultou os autos, tenha a
informação a respeito dos atos já praticados. É também chamada de “certidão de
fatos”.
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Ao município, não cabe investigar |
Sendo o vendedor pessoa jurídica, é necessária a certidão negativa de débitos do INSS e da
Receita Federal, do Tribunal Regional do Trabalho e certidão dos distribuidores
e de concordata.
Apesar de
haver intenso esclarecimento sobre a documentação a ser solicitada para a
feitura de um contrato de compra e venda, o Município de Porto Alegre achou
desnecessária essa investigação, pois escudou-se no “princípio da boa-fé” e nos
“vários acórdãos do STJ”. Valeu-se da lei e das jurisprudências para atingir
seu objetivo: o de adquirir no perímetro central o único prédio, em toda a
cidade, com as características
necessárias para uma escola e de interesse da Secretaria de Educação.
A presunção
de boa-fé do comprador que tem o dever de conhecer os trâmites de um negócio,
só poderia ser aceita no caso de falhas e erros em todas as informações e
certidões fornecidas por órgãos públicos. O que não houve, já que o Sr. Rogério
Favreto, atual Secretário de Reforma do Judiciário, não buscou informações na
Justiça Cível e do Trabalho.
Cláusulas do
contrato de compra e venda entre o Município de Porto Alegre e a Agro Pastoril
Santa Márcia estipulam prazos para as hipotecas serem liquidadas, mas não
apontam o valor da dívida da empresa para com o BCN. Segundo o procurador Jorge
Cesa Ferreira da Silva, as hipotecas correspondiam à metade do valor pago pelo
imóvel, que foi negociado por 1 milhão e 400 mil reais, mas o advogado do banco
apontou um valor maior, de 1 milhão e 700 mil reais.
Na sequência,
outra declaração importante de Jorge Cesa Ferreira da Silva é a que rebate meu
questionamento sobre o contrato. O Procurador
alega que a Cláusula Terceira dá total garantia ao negócio, pois nela o
vendedor declara que o objeto do presente compromisso encontra-se livre e
desembaraçado de quaisquer ônus reais ou pessoais, tanto por dívidas da
promitente vendedora quanto de seus sócios, com exceção das hipotecas.
2. Ali, há uma declaração que nada mais
nada menos faz do que garantir os interesses do Município no que pertence ao
sócio e aquilo, que nós já tínhamos visto, no que toca a uma Certidão do
Cartório de Registro de Imóveis declarando cabalmente que inexistem ações
pessoais e repersecutórias vinculadas aquele imóvel. Logo, o que nós temos é
uma declaração que é comum em qualquer contrato, ele afirmando de que não possuía
processo contra ele. Ora, o que nós estamos tratando, portanto, é de um caso
que pode ser tido como má-fé, mas não má-fe da Prefeitura, não má-fe do
Município, mas sim, daquele que declarou. Ao Município não cabe ficar
investigando a vida de cada pessoa. E diga-se de passagem, que existe uma
regra, no nosso Direito, que é conhecida por todos, que é a presunção de
boa-fé. Logo, não cabia, pela cláusula, ficar investigando a vida do Sr. Nelson
e de quem quer que seja que conecta com o Município por qualquer relação
contratual.
Em
“Reportagem Especial”, página 4 de Zero Hora, de 20/07/08, sob o título “Por
dentro da ABIN, a Cia. Brasileira”, o seguinte parágrafo me intrigou: “As
principais missões da Abin são investigar
militares e policiais sob suspeita, checar antecedentes de candidatos ao
serviço público, seguir funcionários públicos e verificar seu patrimônio, além
de averigüar a vida de empresários que farão negócios com o governo”.
Ora, pelo
raciocínio de Jorge Cesa, a ABIN não deveria “averigüar a vida de empresários
que farão negócios com o governo”, pois “existe uma regra, no nosso
Direito, que é conhecida por todos, que é a presunção da boa-fé”. Logo,
por essa regra, não se deve ficar investigando a vida de empresários ou “de
quem quer que seja que conecta com o Município por qualquer relação contratual”
ou que conecta com o governo Estadual e Federal. Por essa regra (da boa-fé)
ninguém deve ser averiguado.
Por essa
regra, os selos enterrados por Macalão
no terreno de sua casa de praia não teriam sido descobertos.
Esse contrato
foi feito quando o governo Municipal estava a cargo de Raul Pont.
Outro dado
importante a ser analisado está relacionado à pergunta do vereador João Bosco
Vaz: “Se esta penhora estivesse entrado nos autos antes, parte da grana iria
para dona Leni?”
3. Jorge Cesa: Teríamos que verificar o
caso concreto. Sinceramente, eu não posso nem lhe dizer, agora. Muito
provavelmente, Vereador, se, por ventura, nós soubéssemos desta penhora, no
devido momento, antes da celebração do contrato de compromisso de compra e
venda, assim como nós cuidamos no que toca às hipotecas que havia, também se
cuidaria com relação à penhora. O fato que aquele imóvel era muito importante, dadas
as suas características para o desenvolvimento de atividades educacionais. Ele
está no centro da cidade, ele tem banheiros em todos os andares, ele
permite salas para salas de aula. Ele tem todas as qualidade de um
imóvel para aquelas características.
Nessa
resposta, o Procurador não deixa dúvidas sobre o grande interesse do Município
em relação ao prédio, que “tem todas as qualidades de um imóvel para a
Secretaria de Educação”. E por conta desse grande interesse, em 04 de outubro é completado o laudo de
avaliação do imóvel, e apressa-se o processo de compra sem qualquer cuidado na
redação dos documentos e na documentação exigida. Porém, grande diligência na
busca de “acórdãos do STJ, no sentido
de que a penhora só se efetiva no momento da constrição, no momento em que ela
é inscrita no registro de imóveis”.
Não acredito que os interessados na compra do imóvel não sabiam
da penhora que recaía sobre o prédio. Nelson Luiz da Silveira declarou,
em depoimento na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, que o
Secretário da Fazenda foi quem mostrou interesse na compra do prédio e tinha
ciência dos valores indicados na decisão judicial não-definitiva.
Também não acredito que os advogados da “Palhares, Advogados Associados”, e os
procuradores das empresas Agropastoril S.A./Princesa do Lar S.A., advogados
Marco Antônio Birnfeld e Rodrigo Vidor de Assis, como cidadãos honrados
e dignos que são, não tenham alertado o Município sobre a execução e penhora
que envolvia a propriedade.
A antecipação das parcelas vincendas – que me
ocasionou enorme prejuízo – para pagamento de “dívida” da Agropastoril com o
BCN, foi tema de grande controvérsia durante as reuniões na Câmara, e assunto
não-entendido pela Comissão de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos.
Ocorreram várias contradições em relação à quitação das hipotecas (R 2 e R 3).
Jorge Cesa afirma aos vereadores que “A primeira hipoteca (R 2) foi cancelada
numa rapidez muito maior do que se esperava.” Posteriormente a essa
afirmação, o advogado Stockinger contradisse, alegando que a hipoteca (R
2) não foi cancelada, e sim renovada pelo R 3. Ele garante que “a R 2
tratava-se de uma primeira hipoteca e foi extinta pela constituição da R 3”. Os
documentos contidos no procedimento administrativo de compra e venda, mostram
que a hipoteca R 2 foi averbada em julho de 1995, protocolo de 29/06/1995, e não teve registro
de extinção. A hipoteca R 3 foi averbada em setembro de 1997. O BCN assina um
Termo de Liberação de Garantia, em 08 de dezembro de 1999, autorizando o
cancelamento do (registro) R 2 sem mencionar sua extinção e/ou transformação em
(registro) R 3.
Ora, se a
hipoteca (R 2) já não existia por ter sido extinta, por que entrou como dívida
no compromisso de compra e venda e com prazo para ser liquidada?
De qualquer forma, tanto Jorge Cesa Ferreira da Silva, quanto Francisco Antônio Stockinger concordam que o
R 2 já estava cancelado em janeiro de 2000.
Restava a hipoteca de registro 3 (R 3).
E uma grande confusão!
Discordo da alegação de que o documento de
liberação do R 3 foi feito antes porque o BCN tem sede em São Paulo, visto que
foi tão rápido todo o procedimento para a celebração do acordo judicial
para “extinguir” a dívida da Agropastoril com o BCN. E por que o banco
assinaria uma certidão liquidando o R 3 com tanta antecedência, sem ter a
certeza de sua liquidação? Já vimos que o pedido de antecipação das parcelas
vincendas para a transferência desse crédito ao BCN foi feito em 14/12/2000. A
decisão favorável do Município é bastante rápida, pois o acordo foi assinado em
18/12/2000, mesma data em que teve a firma do advogado Palhares reconhecida em
Cartório de São Paulo.
Foi transferido ao Banco R$ 643.689,15 quando o acordo apontava uma
dívida de R$ 566.446,45, portanto, o BCN recebeu cerca de R$ 77.242,70 a mais.
Segundo o advogado Francisco Antônio Stockinger “Existiam duas dívidas em nome
da Agropastoril Santa Márcia S.A., uma nessa execução, onde foram pagos 566 mil
reais, e outra no valor de 77 mil 242 reais em outra execução. Por isso que o
valor refere-se a 566 mil num processo e 77 em outro”.
Muita coincidência o valor remanescente, descontados os juros,
fechar exatamente com o valor das “duas” dívidas de processos diferentes.
Jorge Cesa Ferreira da Silva argumentou que “O que nós pagamos ao
Sr. Nelson diz respeito a um valor
devido por uma aquisição de um imóvel, e esse valor não foi aumentado, ao
contrário, foi diminuído e, mais do que isso, esse valor que a senhora tem,
quinhentos e alguma coisa, diz respeito ao acordo entre o BCN e o Sr. Nelson. E
nós não sabemos se foi de 500, se foi de 200, ou se foi de 100. Não interessa.
O que nos interessa é o valor do imóvel, e esse não foi aumentado, ao
contrário, ele foi diminuído pelo pagamento que foi feito. Essa é a distinção.
O Sr. Advogado da parte interessada está demonstrando que havia dois processos,
um pelo qual se devia quinhentos e alguma coisa, e o outro que se devia um
pouco menos, setenta e alguma coisa, que fecha o valor”.
Nesse momento eu pergunto: “Qual processo?”
Jorge Cesa: “Não sei”.
Eu argumento: “A autorização do repasse da Prefeitura foi para
que o Sr. Nelson quitasse a R 2”.
Jorge Cesa: “Não. O Município paga por um imóvel que ele adquire. É
isso. O imóvel está hipotecado. O imóvel, mais do que isso, sofreu num processo
judicial, pelo que pude constatar segundo informações que temos é que o Banco
de Crédito Nacional poderia incluir no seu patrimônio, se levado a efeito o
resultado daquele leilão. Logo, nós teremos um problema muito maior. A única
coisa que aconteceu foi o pagamento ao BCN diretamente por uma autorização do
Sr. Nelson para o BCN porque havia uma hipoteca. Só isso. Se é R 2, R 3, R 28,
não interessa nesse caso, porque havia uma hipoteca que deveria ser liberada, e
foi liberada pelo pagamento que foi feito. De quanto foi esse pagamento? O
pagamento do valor devido diminuído o tempo que nós pagamos inicialmente. Foi
isso. Não existe nada mais liso, nada mais claro”.
Não entendo como “liso e claro”. Para mim está sinuoso e obscuro.
Primeiro, porque penso que o Município precisaria, sim, saber o
valor exato da dívida da Agropastoril
para com o banco e esse valor deveria constar no processo administrativo. O
Município também precisaria saber qual era a “outra” dívida, cobrada em “outro”
processo judicial contra a Agropastoril Santa Márcia s.a., se é que havia. E, se existisse essa dívida, ela também
deveria estar indicada no procedimento administrativo nº 1.102348.99.5.000.
Segundo, porque o documento de compra e venda contém cláusulas que
estabelecem prazos para os pagamentos das hipotecas (R 2 e R 3), e esses prazos
foram cumpridos, conforme documentos acostados no processo administrativo;
mesmo assim, foi feito ao banco o repasse do valor total das parcelas
vincendas.
O Parágrafo Terceiro da Cláusula Nona estabelece que “Após o
pagamento de seis parcelas previstas na alínea ‘d’ supra, ou seja, na parcela
que vence no décimo mês deste contrato, os pagamentos ficarão suspensos até que
a promitente vendedora cumpra a obrigação prevista no parágrafo segundo da
cláusula sétima, bem como a obrigação prevista na cláusula oitava deste
compromisso”. O Parágrafo Segundo da Cláusula Sétima estabelece que o
promitente vendedor deverá providenciar o cancelamento do R 3 – o R 3 foi pago, mas não cancelado no
Cartório. A Cláusula Oitava estabelece o prazo de outorga da escritura pública.
Ora, se o R 3 não foi cancelado em Cartório pela promitente vendedora, a
promitente compradora poderia tê-lo feito, já que detinha em seu poder o termo
de liberação do título.
Apesar de o Município não
ter registrado em cartório o contrato de compra e venda, tampouco a escritura,
e já saber da penhora que recaía sobre o imóvel, a Procuradoria Geral autoriza
o repasse de toda a verba remanescente ao BCN, também por conta de uma “outra”
dívida da qual o Município não conhecia a procedência.
A Prefeitura Municipal quita o imóvel enquanto o promitente
vendedor pode ainda dispor sobre ele.
O repasse das prestações vincendas impediu que meu procurador
embargasse as parcelas restantes, ainda devidas à Agropastoril Santa Márcia.
Mas favoreceu Nelson Luiz da Silveira,
que se declarou insolvente no processo
de execução.
No meu
entendimento, o Superior Tribunal de Justiça deve rever seu posicionamento
nesse sentido, pois necessário é atentar para todo o encadeamento da questão, e
não apenas para o registro de penhora. Cada caso tem sua peculiaridade,
e o julgamento deve ser baseado na observação do todo e também das suas
minúcias.
De
qualquer forma, as averbações das duas penhoras a meu favor foram realizadas
antes de qualquer registro pedido pela Prefeitura, tanto o do contrato de
compra e venda quanto o registro da escritura.
____________________
* João Bosco Vaz
Vereador e Secretário Extraordinário da Copa 2014 - Porto
Alegre
O vereador João Bosco
Vaz licenciou-se, a partir de 01-01-09, para exercer cargo no Executivo
Municipal.
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